
«(...) vivi como nunca uma vida de aparências. Ainda me lembro
de como a minha vida se me escapava. Não vou conseguir, pensava muitas
vezes, sentada na muralha, fixando o horizonte de olhar vazio, e sem poder saber o que tornava tão difícil a
minha existência fácil.
Não via nada. A sobrecarga do dom visionário
cegava-me. Via apenas o que estava à vista, o mesmo que nada. A minha vida
decorria - também poderia dizer: morria - ao ritmo anual do serviço do deus e
das obrigações no palácio. Não conhecia mais nada. Vivia de acontecimento para acontecimento
e isso, ao que parecia, era o que ia fazendo a história da casa real.
Acontecimentos que provocam o desejo de mais acontecimentos, e por fim da
guerra.»
Cassandra, de Christa Wolf (trad. João Barrento)